Relato de conquista da via “Gaia Vive”

Relato de conquista da via “Gaia Vive”

A primeira conquista na montanha a gente nunca esquece!

Por Gabriel O. de Carvalho

Era um sonho antigo meu praticar escalada em São Gonçalo, porém a falta de locais de escalada estabelecidos e o problema da violência urbana, que infelizmente ocorre em grande parte da cidade, sempre me impediram. Contudo, um tempo atrás ouvi falar de um lugar chamado Alto do Gaia, as descrições faladas do local já me chamaram a atenção, ouvi que tinha um paredão lá, que o entorno era rural e que era um local conhecido por praticantes de trekking e motocross, além de ter sido recentemente transformado em Área de Proteção Ambiental (APA).

Esse interesse ficou latente por meses (eu nem nem tinha visto fotos do lugar ainda!), até que resolvi pesquisar sobre o lugar e quando vi as fotos, pirei. Comentei com o Matias (Vinicius Coutinho) e também com o Zé Gabriel, que me alertou já estar de olho nessa montanha há um tempo e que inclusive já existia uma via conquistada lá: Realidade da Laranja (Paredão São Gonçalo) 3º-V. Via esta conquistada por P.C. Caliano, Rodolpho Pajuaba e Juratan Câmara, em 1985. Possivelmente a primeira e, até então, única via de escalada em montanha de São Gonçalo?

No dia 16 de maio de 2021, um domingo, após convencer o Zé Gabriel, partimos para a conquista do Gaia. A aventura já começou no trajeto de carro para chegar lá, dos três caminhos que o Google Maps nos recomendou escolhemos o que julgamos ser o mais seguro: entrando por Maricá. O único problema era a condição da estrada, toda de terra e mais parecia uma trilha de motocross, de fato, na quase 1h de trajeto os únicos doidos de carro por lá éramos nós, acompanhados pelos motoqueiros que desviavam com facilidade dos buracos e piscinas gigantes na estradinha. Após muito sufoco, chegamos em Gaia, mas pelo lado oposto, queríamos acessar a face oeste-sudoeste. Felizmente encontramos um morador que conhecia muito bem o local e nos deu o caminho da pedra, nos poupando muito tempo.

Foto 01: visão do paredão a partir da trilha de acesso à nova via.

Quando chegamos lá, mesmo tendo visto as fotos e relatos, nem acreditei que o município nos guardava esta pérola. Um local de características rurais e um visual incrível. A montanha era linda, e ao avistá-la ambos concordamos em ir na direção do vale, face sudoeste, para explorar em busca de uma via um pouco mais vertical. O caminho foi bem fácil, sendo curto e com visão da montanha quase o tempo todo, por isso chegamos na montanha sem muito esforço. Importante frisar que a trilha passa por uma propriedade privada, porém o dono foi bem receptivo, não viu problema com a nossa presença e inclusive nos deu dicas para chegar lá.

Logo no início da trilha, o Zé ficou louco por uma fenda. Confesso que eu não tinha dado muita bola a ela porque uns 30 m acima dava pra ver que ela entrava numa vegetação arbustiva; fiquei com medo da linha não ter continuidade. Após uma explorada fui convencido a entrarmos nela. Como o Zé estava mais animado concordamos em ele guiar esse primeiro esticão. Zé conseguiu guiar com poucas proteções precárias em móvel e protegendo nos arbustos que ficavam no topo. Com exceção do ataque de formigas e de muitas pedras soltas com risco de me acertarem, ele guiou 50 m da cordada em móvel sem maiores problemas.

 

Fotos 2 e 3: primeiros registros da via: Zé Gabriel na fenda inicial de 4º

Tivemos uma boa surpresa: o trecho de arbusto se estendia somente por uns 5 metros, logo após havia uma saída para pedra que parecia promissora do lado esquerdo. Foi aí que batemos a parada da via e eu comecei a guiada da segunda cordada. Nesse momento passava das 15h e o sol batia na pedra, porém esta parte de aderência estava bastante babada e suja de líquen. Fiquei bastante drenado com os lances, mas consegui progredir uns 15 m e bater duas chapeletas. Parei na parte que verticaliza, muitas agarras quebrando, o dia já estava terminando e a esta altura achei que só conseguiria passar do lance com cliff, e nem os tinha no dia. Voltamos para casa já no entardecer, mas aquela cordada ficou na minha cabeça a semana inteira. Não conseguia parar de passar como iria vencer aquele lance.

Foto 4: segunda cordada, os lances seguem na parte exposta de pedra indo pra esquerda e passando no único trecho sem vegetação.

Na semana seguinte voltamos eu e Zé Gabriel novamente, com a companhia de Alexandre Langer, João Neuhaus e Matias. O Zé guiou o lance, dessa vez com as peças móveis do Langer, deixando a enfiada muito bem protegida. Eu subi na sequência e logo já reiniciava a conquista da segunda cordada. Eu estava muito mais focado nessa investida, o lance que achei que faria só com cliff, dei uma escovadinha e passei em livre, protegendo logo em seguida. Segui na conquista muito bem mentalmente, apesar da aderência suja e dos regletes quebrando. Quando a corda já estava acabando achei um platozinho incrível, onde decidi fazer a P2, com 55 m.

Foto 5: João Neuhaus no platô da P2

Agora foi a vez do Langer tocar a sequência da terceira cordada, fortes rajadas de vento aconteciam nessa hora, aumentando a “drena”. A linha sai do platozinho pra esquerda, pegando uma fenda de uns 2 m onde ele protegeu com alguns friends e depois tocou pra cima passando à direita da vegetação. Depois da vegetação, uma surpresa! A nossa via esbarra num veio de cristais incrível que faz um corte em diagonal na montanha para a esquerda. Na hora a gente só escutava o Langer gritando de felicidade falando do que tinha encontrado. Ele tocou uns 45 m e decidiu fazer uma parada num ponto onde o veio começava a ter mais vegetação e ele percebeu que existia uma linha limpa para cima. O visual nessa parte é de tirar o fôlego, tínhamos uma visão ampla da região, inclusive da Baía de Guanabara e das montanhas ao fundo.

 

Fotos 6 e 7: Langer conquistando o início da terceira cordada (esquerda). Veio de cristais, um dos trechos mais bonitos da via (direita).

A próxima enfiada o Zé Gabriel tocou, segue uns lances de aderência mais tranquilos em linha reta, passando a esquerda de uma vegetação e chegando numa parada confortável (P4), a cordada ficou com 50 m. Infelizmente o dia já estava acabando e decidimos encerrar a investida.

Foto 8: lances em aderência da quarta cordada

Voltamos ao Gaia quando a janela de tempo permitiu. Repetimos todos os lances, e a quinta cordada, que era bem mais tranquila, foi conquistada pelo Matias que estava aprendendo, e pelo João. A maior parte dessa cordada é uma escalaminhada bem fácil, com um lancezinho de escalada no final para chegar na P5.

Foto 9: João passando uns betas de conquista para o Matias na quinta cordada.

A sexta cordada quem tocou foi o Zé, ela começa numa aderência salgada, talvez um V, por uns 10 metros, depois fica mais tranquila e vai até chegar numa parede vertical, onde ele contornou pra esquerda até chegar num lance de fenda bem maneiro. O doido tocou direto e o lance ficou bem exposto, depois eu e o Matias voltamos e intermediamos uma parte do crux.

 

Fotos 10 e 11: Zé conquistando a sexta enfiada (esquerda). Lances iniciais da sétima e última cordada (direita).

De presente de aniversário (eu faria 31 anos em poucos dias) deixaram a conquista da sétima cordada para mim. Apesar de já estar exausto do dia, essa parte da conquista foi irada. Começa protegendo em móveis em algumas fendas, e depois faz alguns crux em IVsup e V protegidos em chapeleta. Depois da parte mais difícil, aproximadamente 20 m, a via encontra uns lances com agarras e regletes bem maneiros até o final. Cheguei onde julguei ser um bom local para a parada já no fim do dia. A galera veio rápido subindo pela corda fixa. 

Com o horário avançado, o João foi na frente pra tentar achar alguma trilha para o cume, após uns 20 min ainda não sabíamos exatamente onde estávamos, decidimos a contra-gosto retornar via rapel. Nesse dia terminamos a via, mas sem saber, porque não achamos o cume e nem sabíamos se teria mais escalada.

Foto 12: minutos após bater a P7.

O cume só veio em outra investida, no dia 26 de junho de 2021, eu, Zé e Matias fomos com a missão de escalar a via inteira e de anotar as informações para fazer o croqui. Enfim, às 16h finalmente pudemos gritar “cumee”. Quis o destino também que a minha primeira escalada em São Gonçalo fosse também a minha primeira conquista em montanha, que privilégio. A via deve dar um quinto no geral, com cordada em fenda, aderência, regletes no vertical, veio de cristais em diagonal, e uns trepa matos também. 350 metros de muita aventura. Chamamos a via de “Gaia Vive”. Uma lembrança aos fragmentos de mata atlântica que ainda resistem, principalmente graças às nossas montanhas e áreas de conservação ????✊????.

Que venham as próximas!

Foto 13: o dia em que finalmente gritamos “cumeeee”

Início da trilha e local para estacionar o carro: https://www.google.com/maps/@-22.8599998,-42.9011246,128m (trajeto de carro por Maricá não recomendado devido às péssimas condições da estrada)

Para acessar o croqui, clique aqui.

 

Para quem perdeu! Restauração de Ecossistemas em meio urbano em Niterói: Parque Orla Piratininga

Olá pessoal!

Já está disponível no nosso canal no YouTube o vídeo com a palestra ministrada pela nossa sócia Andressa Lima, no dia 07 de junho de 2021, sobre  “Restauração de Ecossistemas em meio urbano em Niterói: Parque Orla Piratininga”. Andressa nos mostrou a estratégia adotada pelo Município abordando a restauração de ecossistemas por meio da implantação de um parque ecológico urbano na orla da Lagoa de Piratininga. ????????????????☘️????????

Vocês também podem clicar no link abaixo para acessar o PDF da apresentação.

https://drive.google.com/file/d/1GC0rWTd9rLGcuO8bUtIeNuGpFv8yb-dP/view?usp=sharing