Montanhismo e Seleção Natural

Montanhismo e Seleção Natural

Por Rosângela Gelly – Revisão: Dalton Chiarelli e Lilian Gelly

Publicado no Boletim CNM 2015-2

Pense em quando você nasceu … o quanto precisava aprender do mundo, da vida e das pessoas para poder chegar aqui onde está: vivo e com saúde. Talvez você não se dê conta do quanto precisa saber dessas coisas para conseguir chegar inteiro a cada final de dia.

Todos os seus ancestrais foram muito hábeis em vencer os desafios do mundo a cada dia. Você é o resultado disso. E quando você nasceu começou a ganhar sua própria experiência.

Se tropeçar na calçada, você saberá o que fazer para não cair de ”cara no chão”, pois passou por um processo longo e duro para aprender isso, certo?

E agora vamos trazer isso para o mundo do Montanhismo.

Todo o aprendizado adquirido, desde o nosso nascimento, vai conosco para esse ambiente novo. As defesas que usamos no nosso dia a dia parecem ser suficientes para lidar com tudo o que pode acontecer. Mas não são, já que a Montanha exige técnicas e habilidades específicas.

Cada dia é um dia. Cada tropeço ensina, mas não é definitivo. O aprendizado aumenta o conhecimento, mas não impede tropeços futuros.  Se um acidente foi evitado, parabéns! A garantia é apenas do que passou, não há garantia do futuro.

O homem tem uma diferença, e uma grande vantagem sobre os outros animais: é capaz de passar suas experiências para os outros de sua espécie. Isso o torna capaz de, sem mesmo vivenciar alguma situação, saber que ela existe, pensar em uma solução, simular a sua ocorrência e se preparar para ela. Incrível não?!

Resumindo: como você pode estar preparado para um evento que potencialmente ameace sua vida em uma montanha? Pense ….

O que fazer no momento em que você escorrega rumo a um precipício em uma caminhada? Se a corda se solta do mosquetão? Ou se um  “friend” se solta de uma fenda?  Naquele segundo em que você pensa: “Uhm, ferrou!”. E lá está a Mãe Gravidade, democrática, esperando você de braços abertos.

Mas lembra que dissemos  que é possível desenvolver respostas a eventualidades a partir da experiência de outros?

Se você entra em um banheiro e vê uma placa escrita “Piso Molhado”, o que você faz? Talvez pense que não faz nada. Mas isso não é verdade. Todo uma mecanismo de defesa é acionado para você se “defender” de uma eventual queda.

Da mesma forma, é preciso que esteja nato, em seu mecanismo de defesa, as técnicas e habilidades necessárias para responder a uma situação de risco na montanha embora em nenhum lugar vai ter uma placa dizendo “Pedra Molhada”. Você precisa estar “ligado” o tempo todo.

Esteja treinado e apto a responder adequadamente. Ler apenas não basta. Treinar, treinar, treinar. Tudo isso requer condicionamento. Da confecção de nós, fazer corretamente seus procedimentos, e garantir o de outros, até participar de um resgate. Quanto mais se aprende, mais é possível entender que há muito a aprender.

Estar na Montanha faz parte do processo de seleção natural.

Algumas Características das Plantas sobre as Rochas

Publicado no Boletim CNM 2015-2

Por Katia Torres Ribeiro (adaptado por Stephanie Maia)

As plantas encontradas nos paredões podem ser rupícolas, quando crescem diretamente sobre a rocha, ou saxícolas, quando se localizam em pequenos platôs ou fendas com solo. Nessas situações, a água que chega escoa rapidamente e os nutrientes são escassos. Por isso, as plantas crescem bem devagar, e muitas têm adaptações especiais para lidar com a escassez de água, como é o caso dos cactos e bromélias formadoras de tanques, que armazenam água, ou das orquídeas e bromélias do gênero Tillandsia, que conseguem captar rapidamente a umidade das nuvens, ou ainda as velózias (canelas-de-ema) e capins-ressurreição, que toleram a dessecação violenta das folhas com posterior re-hidratação das mesmas folhas.

Não é fácil se fixar na rocha. Imaginem quantas sementes se perdem por secura ou enxurrada para que uma se fixe e, finalmente, cresça. Basta observar uma via inacabada na face S do Pão de Açúcar, o Paredão Universal, para constatá-lo: ela começou a ser conquistada na década de 60, mas depois foi abandonada e até hoje não apresenta sinal claro de recuperação da vegetação luxuriante que cobre esta face úmida da montanha.

É muito difícil para uma semente conseguir viajar de uma montanha para outra e, além disso, chegar a germinar. Talvez por isso haja tantas plantas que são específicas de uma ou de poucas montanhas adjacentes. Plantas em diferentes montanhas, quando não trocam sementes ou pólens, vão se tornando cada vez mais diferentes até que formam espécies distintas, e assim surgem os muitos casos de endemismo restrito (espécies só encontradas em uma única montanha).

Depois que algumas espécies mais tolerantes se fixam, começa a haver a interceptação de partículas de rocha, de húmus e detritos de plantas, e assim surge um protossolo, em que vão crescer outras plantas, como algumas gesneriáceas, bromélias e aráceas. Em geral, há primeiro a entrada de liquens e musgos, que crescem extremamente devagar (alguns liquens crescem apenas 1mm por ano!). Essas plantinhas minúsculas vão decompondo a rocha química e fisicamente, e vão juntando um pouco de solo embaixo de si, e assim também ajudam as sementes das outras espécies a se fixar. Estas então germinam e começam a crescer de forma bastante lenta também. Algumas delas crescem prostradas na rocha, e formam algo parecido com um tapete, que ajudam ainda mais a fixar partículas de solo, e mais e mais espécies conseguem se estabelecer ali. No entanto, muitas vezes esses extensos tapetes estão precariamente presos na rocha, quase que apenas aderidos, e sua retirada, bastante fácil, interrompe um processo de décadas ou mesmo de séculos de duração.

Em resumo, podemos dizer que essas espécies crescem devagar, têm dificuldade de estabelecimento (germinação + fixação) e, portanto, “investem” na longevidade. Estas plantas são, no mais das vezes, muito velhas! Ruy Alves, pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, estimou a idade das canelas-de-ema (Vellozia candida) do Pão de Açúcar, no caminho do Costão e Paredão São Bento, em cerca de 150 anos, e em cerca de 500 anos as canelas-de-ema gigantes da Serra do Cipó.

Por que as montanhas têm plantas diferentes umas das outras?

Muitos fatores determinam quais plantas podem ser encontradas em uma certa montanha. Além do acaso e das chances das sementes terem chegado lá, as plantas são afetadas pelo regime de luz, pela rugosidade da rocha (tamanho dos cristais da rocha e forma de fragmentação), presença de fendas e outras concavidades, composição química da rocha e outros detalhes do relevo, além da presença de dispersores e polinizadores.

Também é bastante evidente o papel da insolação, da declividade e da umidade. A declividade, por exemplo, define bastante quais espécies podem ser encontradas, pois algumas delas só conseguem crescer em paredes verticais, enquanto outras dependem de um pouco de terra, e são mais comuns nas paredes menos inclinadas.Dessa forma, a vegetação sobre rocha do sudeste do Brasil e rica em endemismos, cada montanha ou conjunto de montanhas tem suas espécies particulares.

A fragilidade da vegetação
Essa vegetação sobreviveu relativamente bem até hoje, mas na verdade é extremamente frágil. A fragilidade tem dois componentes importantes: a facilidade para remover a vegetação (resistência) e o tempo que ela leva para se recuperar (resiliência). Para retirar a vegetação sobre rocha não são necessárias nem grandes ferramentas, nem tratores, nem fogo, como em uma floresta. Basta a habilidade de subir (ou descer…) na rocha e a força de algumas pessoas, ou mesmo a passagem freqüente de cordas para causar um grande estrago. Já o tempo para a vegetação se reconstituir por meios naturais ainda não foi estimado, mas é certamente muito longo. Em locais com muitas fendas a vegetação pode voltar ao que era antes em menos de 100 anos, mas em superfícies lisas os processos são mais lentos. A recuperação destas áreas é impressionantemente difícil e lenta, e no caso de se querer apressá-la, muito cara. O que é destruído agora tem de ser considerado como perda total, a não ser que sejam implementados programas intensivos de recuperação.

A velocidade com que novas vias vêm sendo estabelecidas ameaça a estabilidade da vegetação e mesmo a existência de muitas espécies, e é preciso lutar por normas de conduta que minimizem o impacto em vias novas ou já criadas, ao mesmo tempo em que se tenta determinar um patamar máximo de retirada de vegetação das paredes.

É mais fácil destruir e não se importar com plantas que parecem um simples mato. E o que é o mato? Pra maior parte das pessoas, é aquilo que vive em qualquer lugar, que cresce em abundância, que “dá como mato”. Decididamente este não é o caso das plantas sobre rocha, muitas delas assim tão pequenas e na verdade mais velhas que nossas bisavós, e que conhecemos tão pouco. É responsabilidade de todos nós poupar e ensinar os outros a proteger essa vegetação da nossa sempre crescente velocidade.

 

Fonte original: http://www.femerj.org/sobre-a-femerj/diretoria/departamento-de-meio-ambiente/150

Acesso em 20/05/2013

Nariz do Frade e sua Verruga – Parque Nacional da Serra dos Órgãos

Nariz do Frade e sua Verruga – Parque Nacional da Serra dos Órgãos

Publicado no Boletim CNM 2015-2

Data: 16/05/2015relato-foto-3

Participantes: Leandro do Carmo, Alfredo Castinheiras, Michael Patrick, Vinícius Araújo, Daniel Talyuli, Roberto Andrade, Tauan Nunes e Marcos Lima.

Local: Parque Nacional da Serra dos Órgãos

A trilha: Pegar a trilha da Pedra do Sino. O início fica metros antes de começar uns canos de ferro, que levavam água ao antigo Abrigo 2. A entrada da trilha é bem discreta e andando alguns metros, você verá um pequeno descampado, depois seguirá descendo e subindo. Cruzará dois pequenos riachos. Mais a frente, entrará numa parte bem íngreme até caminhará numa crista até começar a subir forte novamente. Após essa subida, virá o Paredão Roi Roi, será preciso estar encordado ou  fixar uma corda para segurança. Mais uma subida forte e estará na base do Nariz do Frade

Dicas da escalada: A chaminé é longa e mau protegida, principalmente nos 3 primeiros grampos. Eu escalei mais para fora, na parte mais aberta, um pouco fora da linha dos grampos, e me aproximava para costurá-los. Optei por não costurar o segundo grampo, pois ele fica numa parte bem estreita, fui direto do primeiro para o terceiro. Há uma parada dupla, bem confortável num platô. A partir desse platô, escalar em livre numa sequência de 4 grampos até uma pequena entrada (entrar na de baixo, a menor). Nesse dia estava bem úmida. Faz uma chaminé horizontal, bem apertada, onde segue agachado até o final, dali já dará para ver a luz lá no alto. Não tem grampo nesse trecho, mas tem excelentes buracos para por os pés. Saindo do buraco, tem mais dois grampos no final e já estará no cume do Nariz do Frade, uma base bem ampla. Faltará subir a Verruga. Lá tem dois grampos para artificializar a saída e será necessário fazer um lance em livre, um 3º, até chegar a um grampo antigo e grande. Mais acima há um grampo de cume. Para o rapel, existe um grampo, logo após a pedra onde fica o livro de cume, que dá para chegar ao platô num rapel que começa positivo e termina aéreo. Existe uma parada dupla mais em baixo,  mas considerei arriscado montar o rapel ali, muito exposto. Do platô, com duas cordas, desse direto, com uma corda, deverá fazer mais um uma parada dupla no meio da parede.

Relato

Era o dia da Abertura da Temporada de Montanhismo do PARNASO. Nós do Clube Niteroiense de Montanhismo, havíamos programados de fazer vários cumes nesse dia, entre eles: Papudo, Sino, São Pedro, Neblina e a Verruga do Frade. Ao total, fomos 30. Isso mesmo, 30! Resolvemos alugar duas vans, assim poderíamos curtir mais o evento, mesmo depois de um dia cansativo… Mas vamos ao que interessa, vamos ver como foi subir essa tal Verruga…

A ideia inicial era escalar a Verruga do Frade e depois continuar na Travessia da Neblina, afinal de contas, estaríamos na base do Nariz do Frade e, teoricamente, era só escalar a grande chaminé e depois a Verruga… Mas entre a teoria e a prática… Há uma grande diferença, ou melhor, uma grande chaminé!

Chegamos na Barragem e iniciamos a trilha às 08:30h. Seguimos pelos incansáveis zigs zags da trilha do Sino e fizemos nossa primeira parada, coisa bem rápida, na Cachoeira do Véu da Noiva. Descansamos e seguimos caminho. Acho que de tanto fazer esse caminho, ele ficou até mais curto e logo estávamos no local do antigo Abrigo 2. O começo da trilha é a esquerda, numa discreta saída, alguns metros antes de começar os canos de ferro que levavam água para o antigo abrigo.

Ali, tomei a dianteira e segui descendo. Não havia feito a trilha, nem a escalada, mas sabia que era por ali. O caminho até que era óbvio, um pouco fechado em alguns trechos, muito fechado por causa dos bambus caídos em outros, mas seguimos. Cruzamos dois riachos e entre as curvas da trilha, pisei e afundei, só não rolei barranco abaixo, porque consegui me segurar.  Continuamos e bem mais a frente, quando pega uma parte mais plana, tem uma pegadinha que muitos desavisados chegam a ir reto, até parar no meio do nada. Foram colocados alguns galhos e existe um totem. Nesse ponto deve-se começar a subir. Não é tão óbvio, mas com um pouquinho de atenção dá para perceber que é por ali.

Começamos a parte mais chata da subida, num local muito instável e íngreme. Aos poucos, fomos vencendo a subida e chegamos  a uma bifurcação, onde dobramos a direita e seguimos a parte mais bonita do caminho. Caminhamos pela crista até que começamos a subir forte novamente. Mais a frente, chegamos ao Roi Roi. Uma sequência de alguns grampos que fui subindo sem segurança e fixei uma corda para agilizar a subida. Depois de fixada a corda, continuei a trilha até um mirante onde era possível ver o Nariz do Frade e toda a sua beleza.

Já há alguns minutos ali contemplando a beleza, o Marcos Lima chegou e aproveitamos para fazer algumas fotos. A cidade de Teresópolis,  ao fundo, tentava de qualquer maneira aparecer nas fotos, mas o ballet das nuvens, ao mesmo tempo que cobria a nossa visão, dava um espetáculo a parte… Segui até a base da chaminé, afinal de contas, não via a hora de chegar lá em cima. Até que caminhamos bem… Levamos cerca de 2 horas para percorrer o caminho. Quando cheguei de frente a chaminé, pensei: “Tô f…”. Sabia que era grande, já havia visto fotos, mas ao vivo… Era beeeeeem diferente.  Já tinha uma cordada na via e o último estava começando a subir. Achei que seria rápido, mas no rítimo que ele estava indo, iria demorar um pouco. Todos chegaram e aproveitamos para fazer um lanche. Enquanto lanchava, fui dar uma olhada pelo local. De cara já deu para ver que o primeiro grampo era bem, mas bem alto mesmo.

Já tinha a dica de que a melhor forma de subir não era seguir o grampo e sim, escalar pela parte mais larga da chaminé e se aproximar do grampo somente para costurá-lo. O caminho da conquista foi outro, bem lá no fundo. No relato dos conquistadores, que está no arquivo do CEB, consta que quando chegaram a base do “Nariz” perceberam que o melhor caminho seria uma chaminé de aproximadamente 50m. Úmida e com bastante limo, utilizaram a técnica vigente na época. Construíram uma grande escada, improvisada com varas de 5 a 6 metros de comprimento. Vencido este obstáculo ainda tiveram que atingir o topo da verruga do nariz do Frade. Mais 11 metros de escalada e atingiram o topo. Esta conquista precisou de um grande trabalho de equipe que se iniciou no dia 04 de junho de 1933, com a abertura da trilha até a base por Malvino Américo de oliveira, Andral Povoa e Luiz Gonçalves. Na semana seguinte juntaram-se ao time Alcides Rosa de Carvalho, Arlindo Motta e Antônio F. de Godoy. Para a construção da escada e investida final reforçaram o grupo os Montanhistas José Claussem e Miguel Ignácio Jorge. Mais tarde foi instalada uma grande escalada, feita com cabos de aço, que acabou se perdendo no tempo e hoje não está mais no local. A foto ao lado, gentilmente cedida pelo Sobral Pinto, mostra como era essa escada.

Depois de 1 hora esperando, iniciei a escalada. Comecei a subir bem pela parte de fora da chaminé. Fui subindo, tentando manter um ritmo constante. Parei para dar uma descansada e olhei para cima, o grampo ainda continuava longe, olhei para baixo e também já estava longe… Com o apoio da galera continuei subindo. Mais alguns longos metros e costurei o primeiro grampo e pude descansar um pouco, cerca de 1 minuto e já parti para o próximo. O segundo grampo fica muito para dentro da chaminé.  Talvez a parte mais apertada… e olha que sou pequeno e magro… Resolvi ir direto para o terceiro. A chaminé tem ora que fica tranquila, mas em alguns lances fica apertada, mas de uma maneira geral é boa. Só é bem longa e pouco protegida.

Chegando ao terceiro grampo, passei a costura e dei mais uma pausa. Os grampos seguintes estavam um pouco mais próximos e a linha ia seguindo para a direita. Continuei subindo e em alguns momentos colocava o joelho na parede para ajudar a descansar… Mais acima, costurei o quarto grampo, depois o quinto e finalmente o sexto. Esse último, fica do lado oposto, já no final da chaminé, na base do platô. Como ele estava atras de mim,  estiquei o braço para costurar e passar a corda, só depois que fiz o movimento e girar e passar para o platô.

No platô a cordada da frente ainda estava lá. O Guia já havia ido e faltavam os dois participantes. Montei a parada e fixei a corda, para que o pessoal viesse subindo. Enfim pude descansar um pouco… O primeiro a chegar foi o Alfredo, que trouxe mais uma corda, na qual fixei também.. Em seguida, veio o Marcos Lima. Enquanto o resto de pessoal subia, o Alfredo e o Marcos preparavam o caminho para a próxima enfiada. Uma sequência de 4 grampos, num misto de pequenas agarras. Só que estava escorrendo muita água e resolvemos colocar alguns estribos. Chegaram também o Daniel e o Roberto. Enquanto aguardávamos os outros, acompanhávamos o outro grupo de CNM na Travessia da Neblina. Depois, chegou o Michael e, por último, o Vinícius.

Enquanto o Vinícius vinha subindo, puxei uma corda e já parti para o próximo desafio. O Alfredo, que já havia feito, me disse para seguir pela menor entrada, nesse caso, a de baixo. E para lá segui… Quando cheguei na entrada, falei: “Alfredo, você tem certeza que é por aqui?”. Tive que fazer alguns movimentos contorcionistas para poder entrar. Estava  bastante úmido o interior dessa passagem. A parede de trás era um pouco inclinada para frente, porém com bom apoio de pés, e isso facilitou um pouco as coisas. Entrei literalmente fazendo a dança do siri, bem agachado. Pois é nessa posição mesmo, se é que você conseguiu imaginar alguma coisa… Segui sem costurar (pois não há grampos) numa horizontal, até que pude ver mais acima, a luz no fim do túnel! Iniciei a subida, passando por uma pedra no estilo 127 horas, que nem encostei nela… Enfim, havia terminado. Puxei a sobra de corda, a fixei e avisei para os próximos subirem.

Por alguns minutos fiquei sozinho a contemplar toda aquela beleza. Depois de todo o esforço, uma sensação de conquista e alívio me tomaram conta. Nunca havia sentido isso antes… Sentei aos pés da Verruga e pude observar, do outro lado, o pessoal na Travessia da Neblina. Aproveitei para assinar o livro de cume e dar uma volta na ampla base do Nariz do Frade. Em seguida, chegou o Alfredo. Quando ele chegou, aproveitei para subir a Verruga. Antigamente existia um cabo de aço, mas hoje, só restam os grampos, na verdade 4. Além de dois grampos iniciais, o que é necessário para fazer o artificial da saída, tem um lance em livre obrigatório, acho que 3º grau até um grampo grande e antigo. Depois desses três, tem um lá no cume. Me encordei e segui para o lance. Coloquei duas fitas no primeiro grampo e mais uma no segundo. O que mais importava agora era chegar ao cume. Mais algumas passadas e estava no cume da Verruga do Frade. Agora sim missão cumprida, ou melhor, quase cumprida, pois faltava a volta…

O Marcos foi o próximo a subir e em seguida o Alfredo. Já passávamos das 14:30h e resolvi descer e agilizar o pessoal que faltava subir. Quando o penúltimo subiu, puxei uma corda e fui começar a preparar o rapel. Desci até ao platô no final da chaminé, montei a parada e esperei a galera descer. Aos poucos todos estavam lá, sete no total. Emendamos duas cordas e começamos o rapel até a base. Abri esse rapel, e rapidamente cheguei a base. Ali fiz um lanche e esperei a galera chegar. Ainda tínhamos muito trabalho, já era 17:00 h e com certeza, faríamos a trilha a noite. Quando todos já estavam na base e alguns já finalizando o lanche, fui com uma corda para fixar no Paredão Roi Roi e agilizar a descida. Aos poucos, a luz do sol foi acabando e como estava muito nublado, anoiteceu por volta das 17:30 h. Antes do último a fazer o rapel, já estávamos com a lanterna ligada.

Voltamos a andar e a trilha na parte mais baixa, onde as nuvens se concentravam, estava molhada, havia chovido um pouco e sentíamos que estava chuviscando, mas como a floresta é bastante densa, impedia de vermos alguma coisa. Levamos alguns tombos e acho que ninguém escapou… Fui seguindo na frente e em alguns pontos tive ir voltar para tentar achar o caminho correto. Mas seguimos e foi um alívio chegar à trilha do Sino, no local do antigo Abrigo 2. Descemos e fizemos uma parada na Cachoeira Véu da Noiva. Encontramos o grupo que vinha da Travessia da Neblina. Alguns desceram, outros preferiram descansar mais um pouco. Eu fui logo em seguida e caminhei sozinho até a Barragem, onde cheguei, exatamente 12 horas depois de começar. Peguei a trilha suspensa e fui descansar na Casa do Montanhista, onde rolava o evento da ATM.

Agora a missão estava cumprida! Valeu a todos por essa grande e inesquecível aventura!!!

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Trilhas – A Incrível Jornada de Uma Mulher Pelo Deserto Australiano, de Robyn Davison

Trilhas – A Incrível Jornada de Uma Mulher Pelo Deserto Australiano, de Robyn Davison

Trilhas – A Incrível Jornada de Uma Mulher Pelo Deserto Australiano, de Robyn Davison.

Por Eny Hertz

livro_022Robyn Davison nos relata a jornada de 2.800 km com uma narrativa que nos prende em todas as páginas, com aventuras do primeiro ao último capítulo. Ela ganha uma clareza e entendimento da terra ao aprender a depender dela.

 

“Sugestão de Leitura” publicada no Boletim CNM 2015-2.

Viciado no Perigo – Uma Autobiografia Sobre a Defesa da Vida Diante da Morte, de Jim Wickwire e Dorothy Bullitt

Viciado no Perigo – Uma Autobiografia Sobre a Defesa da Vida Diante da Morte, de Jim Wickwire e Dorothy Bullitt

Viciado no Perigo – Uma Autobiografia Sobre a Defesa da Vida Diante da Morte, de Jim Wickwire e Dorothy Bullitt.

Por Francisco Caetano

livro_024Mallory, Messner, Hillary, Norgay, Bonatti, Herzog, Lachenal, Rébuffat, Terray, a lista não é pequena mas citar qualquer um desses nomes não passa desapercebido por qualquer montanhista, do novato ao mais experimentado. Mas esse rol de alpinistas ilibados também conta com ilustres desconhecidos ou pouco conhecidos, que nem por isso deixam de ter grandes feitos em seus currículos e grandes aventuras em sua jornada, esse é o caso de Jim Wickwire. Primeiro americano a subir o K2, teve uma vida permeada de aventuras e feitos notáveis como um fantástico bivaque a incríveis ascensões em solo, mas também com algumas tragédias. Para conhecer melhor esse cara, seus feitos e fatos a dica que damos é a autobiografia intitulada “Viciado no Perigo” da Editora Manole, uma leitura emocionante, as vezes tensa, mas verdadeira, do jeito que todos montanhistas gostam.

 

“Sugestão de Leitura” publicada no Boletim CNM 2015-2.

Linha D’Água. Entre Estaleiros e Homens do Mar, de Amyr Klink

Linha D’Água. Entre Estaleiros e Homens do Mar, de Amyr Klink

Linha D’Água. Entre Estaleiros e Homens do Mar, de Amyr Klink.

Por Leandro Collares

livro_023Quando comecei a ler Linha d’água, tive a nítida sensação de “participar da narrativa”, como se os cenários e atores se formassem imediatamente no pensamento. Leitura intensa, daquelas que você não consegue parar e quando para, não vê a hora de recomeçar.

 

“Sugestão de Leitura” publicada no Boletim CNM 2015-2.

Resumo do Estudo de Grampos no Brasil

Resumo do Estudo de Grampos no Brasil

Em 1999, Marcelo Roberto Jimenez e Miguel freitas fizeram um interessante estudo sobre as proteções fixas utilizadas em escaladas no Brasil.

Foram feitos cálculos e alguns testes práticos (em campo e laboratório) afim de estimar a forma sofrida pelo sistema durante uma queda de guia e qual a carga máxima suportada pelos grampos comumente usados como proteção fixa no Brasil.

Em 2013 eles revisaram este material e acrescentaram informações sobre o pouco que havia mudado 14 anos depois.

O estudo e a revisão estão bem detalhados em um documento de 35 páginas por eles publicado.

Resumo aqui minha visão do que eles relataram neste documento

Coloco abaixo um breve descritivo dos testes realizados:

  • Foram testados 4 grampos de ½” com olhal de 3/8”.

Em média com olhal para cima eles aguentaram uma carga de 1250kgf.

  • Foram testados 3 grampos de ½” com olhal de 3/8”.

Em média com olhal para baixo eles aguentaram uma carga de 3500kgf.

  • Foram testados 2 grampos de ½” com olhal de 1/2”.

Em média com olhal para cima eles aguentaram uma carga de 4500kgf.

  • Foram testados 2 grampos inox de ½” com olhal de 3/8”.

Em média com olhal para cima eles aguentaram uma carga maior que 2000kgf.

  • Foi testado 1 grampo de ½” com olhal de 1/4”.

Com olhal para cima ele aguentou uma carga superior a 2600kgf.

Resumindo, a tabela mostra os resultados encontrados nos testes práticos em relação a força para ruptura dos grampos:

Material Diam. Haste Principal Diam. Olhal Quant. de Amostras Posição do Olhal Força Ruptura
Aço carbono 1020 1/2″ 3/8″ 4 Para cima 1250kgf
Aço carbono 1020 1/2″ 3/8″ 3 Para baixo 3500kgf
Aço carbono 1020 1/2″ 1/2″ 2 Para cima 4500kgf
Aço Inoxidável 1/2″ 3/8″ 2 Para cima 2000kgf
Aço Inoxidável 1/2″ 1/4″ 1 Para cima 2600kgf

Analisando estes valores e comparando com o sugerido pela Norma UIAA eles chegaram a conclusão de que da forma que são construídos e instalados os grampos não são recomendados como proteção fixa.

Eles levantaram algumas recomendações em relação a material dos grampos e da importância de uma instalação bem feita.

Porém ao meu ver o principal legado deste estudo foi mostrar que os grampos aguentam mais carga quando instalados com o olhal voltado para baixo

quando comparado a forma mais comum de utilização, onde os grampos são instalados na rocha com o olhal voltado para cima.

Hoje os grampos são instalados com olhal para cima para evitar força na solda, que se mal feita torna-se o ponto mais fraco do sistema.

Ou seja, para que os grampos fossem instalados com olhal para baixo o ideal seria eliminar as soldas, que poderia ser conseguido com a fabricação de grampos pelo processo de forjamento.

Como grampos forjados seriam extremamente caros devido ao custo do processo isso não parece viável.

Uma alternativa então é melhorar a qualidade das soldas, de forma a garantir que estas sejam bem feitas e que os grampos possam ser instalados com o olhal para baixo.

Como recomendação para melhorar as soldas de forma a poder seguramente instalar os grampos com o olhal pra baixo, aumentando a resistência, eles recomendam as 3 medidas abaixo:

  • Utilização de chanfro nas soldas;
  • Marcação dos grampos para rastreabilidade;
  • Utilização de mecanismos de expansão na instalação. (Esta afirmação não se manteve na atualização de 2013).

Eu concordo com eles nos 02 primeiros pontos. Porém não acho que estas recomendações sejam o bastante para garantir que a solda seja bem feita e por isso acrescentaria ainda os pontos a seguir:

  • Utilização de Especificação de Procedimento de Soldagem (EPS) pré-qualificada para realização das soldas.
  • Exames destrutivos por amostragem;
  • Exames não-destrutivos (No mínimo visual) individuais;

Sobre a utilização de chapeletas, que passam por testes de certificação e com isso possuem carga máxima definidas pelo fabricante, em torno de 2500kgf, é importante lembrar que são bastante seguras porém se mal instaladas também podem colocar o escalador em risco. Materiais diferentes não devem ser usados nas porcas e parafusos.

Na versão de 2013 eles finalizam o artigo com uma sessão de perguntas e respostas muito útil, que eu resumo abaixo.

  1. Inox (grampo e chapeleta) não deve ser usado em falésias próxima ao mar.
  2. Titânio é uma solução para beira-mar, de preferência colados.
  3. Não utilizar paletas na instalação de grampos.
  4. Um grampo P de aço carbono 1020 de ½” com olhal para cima resiste em média 1300kgf de força transversal sem deformações plásticas. Esta força está abaixo da normal UIAA que sugere 2500kgf.
  5. Um grampo P com olhal para baixo resiste em média mais de 2500kgf de força transversal sem deformações plásticas, atendendo a normal UIAA.
  6. Não devem ser usados grampos com haste de 3/8”.
  7. Recomenda-se usar paradas duplas e rapelar com a corda nos 2 grampos.
  8. Correntes não devem ser usadas em paradas.

Para concluir, recomendo a leitura do artigo produzido por eles e lembro que há muito pouco estudo disponível no Brasil sobre as proteções fixas então sugiro aos acadêmicos escaladores que aproveitem-se disto para realizar seus estudos e ajudar no desenvolvimento de nosso esporte.

 

Boas escaladas!

Leandro Pestana

Junho/2015

Clube Niteroiense de Montanhismo